Desdeo anúncio do III Plano Nacional de Direitos Humanos – III PNDH, têm ocorrido furiosas e articuladas reaçõesconservadoras ao seu conteúdo, inclusive desencadeando uma certa “crise” no poder executivo federal.
Éimportante fazer um breve resgate, esclarecendo que tal documento trata darevisão do I e II PNDH, que pouco foram efetivados. O III PNDH, têmlegitimidade popular, tendo havido convocatória nacional para que os diversossetores da sociedade participassem da Conferência de Direitos Humanos em 2008,em âmbitos municipais, distrital e Estaduais, culminando na nacional emdezembro do mesmo ano, com o objetivo de revisar e atualizar o Plano então em vigor. Validandoeste processo, foi reconhecido comodocumento legal, afirmado via decreto.
Aorganização partiu do acúmulo das dez conferências já realizadas e, em especialquanto a não efetivação dos planos, bem como das deliberações das conferenciasde políticas setoriais (Assistência social, saúde, cidades, etc) e de segmentos(mulher, criança e adolescente, idoso, pessoa com deficiência, etc), e das legislações relativas a direitoshumanos, a partir do consenso nacional sobre a universalidade, interdependênciae indivisibilidade dos Direitos Humanos – postulados firmados em Viena em 1993– a Conferência tem o desafio de tratar de forma integrada as múltiplasdimensões destes direitos.
Oprocesso de debates estaduais e nacional de DH foi relativamente bem divulgado,mas é fato que, envolvendo segmentos historicamente vulneráveis, estesnecessitavam de condições objetivas para tal participação. Assim, representarama sociedade civil os que tiveram condições de se inserir nas conferências.
Nestesentido, como todo processo de debate, salientemos que ocorreram tensões edisputas, nas quais muitas propostas da sociedade civil não foram aprovadas.Neste sentido, o PNDH 3 já apresentou os resultados possíveis das diferentesposições dentre os representantes na Conferência Nacional, com todos os limitesjá criticamente apontados pelo Tribunal Popular.
Umimportante aspecto que tem sido desconsiderado, é quanto a definição jurídicado PNDH 3, que diferente dos Planos anteriores, foi publicado por DecretoPresidencial, o que cria vinculação e exigência de cumprimento pelos órgãos daadministração Pública Federal.
Lamentávelque as forças conservadoras como os militares, os grandes latifundiários amídia e a igreja conservadora estejam reagindo às decisões tomadas em um longoprocesso. Lembremos: foram onze conferências nacionais e a revisão dos doisplanos de DH, atualizando-o.
OBrasil não pode ser recusar a garantir o direito à memória e à justiça,inclusive recusamos a possibilidade de serem criminalizados os cidadãosaguerridos que lutaram não por propósitos individuais, mas pela liberdade nopaís. Cedendo à pressão dos militares e do ministro Jobim, o recuo do governoLula acaba de ser consolidado através do decreto presidencial, que cria o grupode trabalho encarregado de formular um anteprojeto de lei para a criação daComissão de Verdade, acatando argumentação indecente de militares e imprensacorporativa de um “tratamento igualitário” para torturadores etorturados em seus ataques ao PNDH 3
Asheranças da ditadura militar estão vivas nos aparatos policiais e naseletividade da justiça penal: na banalização e naturalização da tortura comométodo de investigação, bem como nas execuções sumárias cometidas por agentesdo Estado que, via de regra, quando excepcionalmente investigados, sãoarquivados pela Justiça. Ou seja, os agentes de Estado torturadores eassassinos de hoje espelham-se no exemplo do passado e na impunidade daquelescrimes. Em nome do Estado democrático de Direito a violência institucional énorma contra as populações das periferias e nas favelas. Portanto oescamoteamento da Justiça na proposta da Comissão de Verdade, votada na Conferência Nacional de Direitos Humanos, é umdano de enormes proporções. No entanto, mesmo que restringindo os seustrabalhos ao esclarecimento da verdade, essa comissão já seria um enormeavanço.
OBrasil não pode ficar ameaçado pelo poder da mídia, e sim estabelecerparâmetros para o controle social da sociedade sobre Estado. Neste país o Estadoestruturou as condições para as empresas privadas terem alta lucratividade:empresas estatais e serviços essenciais como saúde, educação, habitação,estradas, comunicação foram privatizadas após muito investimento público,permitindo os lucros privados e a ausência de direitos protegidos.
Em alguns países, o controle social é concebido como ocontrole de todo o processo, desde a formulação, avaliação, monitoramento edeliberação sobre as ações do Estado. Aqui ainda nos conformamos com a dita“paridade” entre Governo e Sociedade Civil, quando temos total diferença depoder.
Acriminalização da pobreza tem sido uma estratégia de mascarar as reais causasda violência e da desigualdade social, com diferentes expressões no campo e nacidade,mas com tolerância da sociedade quando se trata daviolência institucional e contra a juventude negra. O ataque aosmovimentos de luta social visa silenciar as contestações e as reivindicaçõespor direitos.
OBrasil é um Estado Laico, mas há influência direta de questões de credoreligioso nos rumos de suas decisões. A criminalização das mulheres que pordiversas razões cometem o aborto, bem como a xenofobia, homofobia e lesbofobiasão decorrentes da ausência de ações para efetivar o Estado Laico. Os espaçospúblicos em que se mantém símbolos religiosos são evidência desta situação. Hávalorosas ações das instituições religiosas em favor do povo e por isso mesmonão se deve temer o Estado Laico, que permitirá a livre expressão sem que umseja oprimido pelo outro. Este é um princípio de direitos humanos.
OIII PNDH exigirá amplos esforços para ser efetivado, pois exige mudançacultural e que o lucro e o poder se submetam ao desenvolvimento humano. Asquestões do trabalho e da terra são históricas. A criminalização da luta pelareforma agrária é outra evidência de que ações efetivas e ousadas sãonecessárias neste sentido. Neste conjunto estão o desenvolvimento urbano, apolítica ambiental, o desenvolvimento agrário e o respeito aos povos tradicionais.A exploração ambiciosa e inescrupulosa da terra do agronegócio tem gerado nãoapenas conflitos pontuais como tenta se expor, mas são questões afetas adireitos humanos geracionais, estruturais e dedominação formatada desde a colônia e nunca interrompida. Os gritos contra o direito à memória eà verdade sobre a ditadura são bons exemplos dos pilares que geram tantadesigualdade e violência no Brasil. Sob a distorção de que controle dasociedade sobre a mídia é censura, está se tentando manter uma mídia que nãoinforma e mantém o povo na ignorância. Os ruralistas sempre se organizaram eestão como sempre defendendo sua posição.
Portanto,ao defendermos o III PNDH na sua íntegra o reconhecemos como construçãodemocrática, mas com seus limites. A sua efetivação dependerá da organização dopovo e da postura das autoridades que no uso suas atribuições garantam osprincípios de Viena, visando que todos os direitos (sociais, econômicos,políticos, civis, ambientais, culturais) sejam garantidos, com políticaspúblicas (efetivadas com os princípios da gestão pública de transparência,eficiência, impessoalidade, moralidade, publicidade e legalidade) euniversalidade. Direitos só para alguns é privilégio, exigindo-se mudançasestruturais. Afirma-se que o Brasil avançou, considerando-se o pouco tempo de“democracia”. Defendemos que justamente por pouca experiência democrática eladeve ser muito mais efetiva, com açõesousadas e urgentes de ruptura com o passado autoritário e opressor.
Seo governo recuar reproduzirá violência e autoritarismo contra este histórico delutas do povo brasileiro. O Tribunal Popular entende o III PNDH como tático,mas reconhecendo a participação democrática nos limites existentes, afirmando adefesa deste Plano como um dos instrumentos para buscar a justiça social.
Anossa luta é:
Pelofim de qualquer criminalização da pobreza!
Contraa Criminalização dos Movimentos de Lutas Sociais!
Emdefesa da Verdade e da Memória! Em defesa da Comissão de Verdade e Justiça!
Emdefesa de uma mídia democrática, plural e que respeite os Direitos Humanos!
Contraqualquer tipo de discriminação!
Contraa xenofobia, lesbofobia, machismo, sexismo e homofobia!
Emdefesa do direito das mulheres decidirem sobre seus corpos!
Emdefesa da democratização e da função social da terra!
Emdefesa da Soberania Popular!
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